17/04/2012

compromissos

Há um certo diz que disse que começa a fazer parte da normalidade no quotidiano dos portugueses. Associado ou não a um crescente jornalismo incompetente e desresponsabilizado, certo é que este governo tem sido profícuo em anúncios de medidas cuja execução tarda a chegar se é que alguma vez vai chegar. Aliás, não me lembro de outro executivo que fosse tão mau em relações públicas já para não falar em visão estratégica ou apenas e tão-somente em ter visão.
Já lá vão cerca de 18 meses desde que o governo anterior anunciou a extinção de algumas entidades cuja lista foi actualizada, e em boa parte reconfirmada, pelo novo executivo. As entidades a extinguir ainda cá estão, as extintas cá estão ainda e as que eram para ser criadas suponho que não passarão do papel.
Por si só isto é triste, mas é também grave na medida em que muitas destas entidades ficaram sem chão. Projetos que foram à vida, medidas que deixaram de ser implementadas à espera que venha o novo organismo prometido, funcionários que não sabem o dia de amanhã um ano e meio depois.
Esta situação foi ainda agravada por uma série de medidas de execução orçamental verdadeiramente patéticas que demonstram, sem margem para dúvidas, que este governo mais não é do que um aglomerado de pseudo-técnicos sem nenhuma experiência governativa ou sequer experiência na vida público/administrativa e que acham que se governa um país, mais coisa menos coisa, como se governa uma fábrica de parafusos. Exemplo disso é a Lei dos Compromissos. Quero acreditar que a leitura dos primeiros artigos desta lei é um verdadeiro regozijo para qualquer jurista que se preze. Nem resisto a deixar aqui uma definição que consta daquela pérola legislativa só para aliviar os ânimos (pelo menos o meu): «Compromissos» as obrigações de efetuar pagamentos a terceiros em contrapartida do fornecimento de bens e serviços ou da satisfação de outras condições. Os compromissos consideram -se assumidos quando é executada uma ação formal pela entidade, como sejam a emissão de ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente, ou a assinatura de um contrato, acordo ou protocolo, podendo também ter um caráter permanente e estar associados a pagamentos durante um período indeterminado de tempo, nomeadamente salários, rendas, eletricidade ou pagamentos de prestações diversas;
Portanto, dúvidas houvesse sobre o que era isto de se fazer uma encomenda e ter de a pagar, e este governo dirimiu-as sem margem para dúvidas: trata-se de um compromisso!
Bom, continuando, o que é verdadeiramente contraproducente e revelador da falta de visão do executivo, é que as medidas quando anunciadas têm consequências imediatas – acho que o passinhos e o vivi não sabem disso – mas a não serem executadas ou sequer pensadas são paralisantes. Ora se se pretende defender que existem entidades e funcionários a mais faz sentido deixá-los em banho-maria, sem trabalho ou projetos à espera de um futuro que não se sabe quando ou como vai vir? É este um bom exemplo do que pretende fazer com o capital humano que este Estado detém e também com o dinheiro público?
É impressão minha ou este governo tendo como intenção definir o conceito compromissos acabou por esvaziá-lo de qualquer sentido?

10 comentários:

  1. Tenho uma amiga altamente qualificada e com experiência comprovada na área em que trabalha, que está em casa desde Janeiro, sem receber, porque o organismo onde estava foi "extinto". Com aspas, porque o que se passou é que deixou de ser financiado, ia ser renegociado financiamento, e está tudo em banho maria há quatro meses. Ela recebeu dois meses de "indemnização", uma promessa de que depois logo se via e lhe pagavam o "atrasado" ou lá o que é; nem meteu papéis para o subsídio de desemprego fiada nisto, e já está a rondar o desespero, que tem de comer, e contas para pagar. Finalmente vai tratar do subsídio, está deprimida e desencorajada, e eu estou muito preocupadinha com ela. Pronto, é isto que temos, é o não fornica nem sai de cima, é deitar á rua projectos com valor e interesse, as pessoas que se lixem, e entretanto fazem-se programas do governo impressos em papel couché lindinhos que se farta e que davam para lhe pagar anos e anos de salário, pelo que o dinheiro existe, a gente não sabe é onde é que ele anda. Estou revoltada.

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    1. Eu também estou a começar a bater mal I.. Supostamente já devíamos ter sido fundidos há mais de um ano, mas ninguém sabe de nada, é incrível. Tenho duas colegas próximas que já foram parar ao hospital com ataques de pânico. Porra, têm filhos para educar e casas para pagar. Bem ou mal façam lá o que têm que fazer, não se pode ficar neste limbo por tanto tempo.
      Eu tenho outros problemas com que me coçar, mas estar semanas sem fazer nada no trabalho estão a dar-me cabo da cabeça. Estou a ficar inerte e odeio esta sensação.

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  2. Eu digo com toda a honestidade e franqueza: nunca pensei vir a estar na situação que estou agora. Tenho salários em atraso, privo-me de tudo o que não é essencial para fazer face às despesas imediatas, continuo todos os dias a fazer 100km para vir trabalhar para não perder os meus direitos (e a consumir-me por dentro cada vez que tenho de pôr combustível no carro) e vejo o futuro muito sombrio. Olho para o meu filho e penso que nem de longe nem de perto lhe vou poder proporcionar o que tinha idealizado (e não estou a falar de PS e afins). Sinto-me a roçar a pobreza e sei que infelizmente ainda há quem esteja pior do que eu. Eu ainda conto com os meus pais e sogros, mas há muitos colegas meus que já estão a passar fome (ainda há pouco estavamos a organizar um colecta de géneros). Não vivo nem vivi acima das minhas possibilidades (que sempre fui muito comedida nos gastos), e ver-me nesta situação é algo que me consome e revolve as entranhas.
    A suspensão de projectos nacionais onde a minha empresa participava (à conta da reorganização por via das fusões de organismos) foi parte importante para este desfecho que agora se adivinha.
    (desculpa lá o testamento...parecendo que não sempre me alivia um pouquinho a angústia...)

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  3. porra Anna, manda para fora, não te inibas!
    sinto por ti, mas ainda bem que cá vieste recordar que infelizmente existe ainda pior do que aquilo que sei e vejo. é um alerta importante, pois não sei se amanhã não estarei numa situação semelhante. Estará alguém pronto aquilo que estás a passar? Ando a poupar e a pensar em imensas alternativas de vida, mas se acontecer o pior - crossed fingers - eu nem quero imaginar em que estado ficarei...
    desejo-te o melhor *

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  4. Fazes muito bem em poupar e prevenir-te. Infelizmente já não é só aos outros que isto acontece. É toda uma classe média, qualificada, que está a desaparecer. Algo impensável há uns anos atrás.
    (obrigada)

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    1. tens toda a razão. e é precisamente essa classe média que podia salvar este país!

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  5. Só cá vim outra vez para dizer que isto que vos
    está a acontecer e à minha amiga (que por acaso também foi convidada para ir trabalhando - de borla - e depois logo se via), é impensável, é uma tremenda falta de respeito pelas pessoas, é amachucar e deitar fora gente com valor, dizer-lhes que não valem nada. Choca-me imenso.

    Anna Blue, vale o que vale, e desabafa o que te der na gana. Um dia destes a minha amiga lamentava-se de estar a ficar muito em baixo e que devia ter mais força, e disse-lhe eu que muito bem andava ela, para quem está há 4 meses pendurada e sem ganhar. Nem imagino, nem imagino.

    Abracinho blogosférico.

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  6. bem, vinha aqui comentar o conceito de compromisso (basicamente, não conheço essa Lei, mas muitas vezes são apenas copy paste da directiva comunitária que é transposta - e os gajos lá da europa pelam-se por esse tipo de definições), mas ao ler os comentários sobre empregos perdidos, colectas de géneros para colegas de trabalho, até me dá um aperto no estômago. Se isto durar muito mais tempo, será que nós todos teríamos coragem de fazer realmente alguma coisa para mudar as coisas?

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  7. @a.i., neste caso nada tem que ver com transposição de directivas comunitárias, mas tens toda a razão, a produção legislativa comunitária deixa muito a desejar e por vezes dificulta em muito o trabalho de adequaação ao nosso ordenamento jurídico.

    Quanto a fazer alguma coisa, hmm, eu faço todos os dias. Acredito que a diferença pode estar nas pequenas coisas e acho que contribuo no que posso e, às vezes, até no que não posso ou devo. É uma questão de cidadania, de brio profissional e, acima de tudo, de ética.

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