Dito isto, acresce referir que não consigo ter filhos (pelo menos não consegui até agora, mas para lá caminho evidentemente) e tal como já referi, como eu, resmas de outras pessoas também ainda não conseguiram ou sequer o conseguirão. Há um traço comum a todos nós, surpresa, somos normais. Pertencemos a esta sociedade e até nos predispomos a trazer ao mundo quem também a ela venha a pertencer. E digo-vos isto porquê? Quando alguém normal (portanto alguém que tenha 1 par de olhos, 1 par de pernas e 1 par de braços –ah esqueçam porque mesmo quem tenha só 1 perna ou só 1 braço também é normal) vos confidencia que está a tentar ter filhos, sem sucesso, e que está a fazer tratamentos de fertilidade ou que tenciona fazer ou até que já os fez, geralmente não procura a vossa compaixão, a vossa imensa sabedoria acerca de coisa nenhuma e, em especial, com ênfase e tónica, não procura um monólogo exaustivo acerca de todas as experiências iguais ou semelhantes que conhecem. Portanto, histórias acerca das vossas amigas imensamente inférteis e maridos estéreis, da vossa tia ou prima, da cunhada e cunhado, ou mesmo da amiga da amiga não são, em regra, aquilo que nos apetece ouvir. E explico porquê: em bom rigor, quando vos confidenciamos alguma coisa não esperamos ouvir, mas sim ser ouvidos. Sim, esse imenso cliché, ser ouvido.
Por outro lado também não nos apetece ouvir conversa de fazer conversa. Coisas simpáticas de se dizer como “as pessoas não têm noção, mas ter um filho é um verdadeiro milagre” podem não surtir o efeito desejado, muito pelo contrário (!), pregar o milagre da concepção como quem explica um algoritmo matemático digno do nobel da ciência a quem acalenta a ideia que a matemática, a ciência e a medicina lhe possam fazer aquilo que o alinhamento de planetas e a reza aos deuses não faz por si só, pode não ser a melhor ideia. O truque, muitas vezes, é ficarem calados – não receiem, pois calados são só um par de ouvidos que é o que se espera de vós.
Outra atitude a evitar é a da condescendência. Nem todos aqueles que vos confidenciam tais propósitos encontram-se em busca do santo graal em estado de desespero absoluto. Arriscaria a dizer que grande parte dessas pessoas vive uma vida como a vossa, levando um dia atrás do outro, trabalho, família, diversão, inquietações (ok ok algumas injecções a horas certas), levar o carro à revisão, pagar o selo, etc.. Nem todos estão em desespero. Daí que devam ser evitados conselhos acerca da ansiedade e nervosismo e do quão contraproducentes são esses estados de espírito nessa nossa inquietante busca pela descendência entretanto por vós novelada, especialmente quando quem vos confidencia tranquilamente e de forma segura tem um ar, aparentemente, normal.
Do que antecede acho que facilmente concluirão que tudo o que têm feito é, grande parte das vezes, errado. Mas a lição que se pretende é tão só aquela que vos poderá ser mais fácil de ora em diante adoptar, ou seja, é a lição da troca directa. Se vos confidenciarem um sorriso, sorriam. Se vos confidenciarem uma lágrima, chorem. Se vos atacarem com uma verborreia difícil de igualar, não tentem igualar. Se vos tratarem com silêncio, procurem ser discretos e menos curiosos. Se vos confidenciarem técnicas científicas e medicinais, escutem com atenção e interesse. Se a linguagem corporal assim o disser, abracem.
* a normalidade não é um desejo comum a todos, há quem deseje precisamente o contrário: o tratamento diferenciado, especial, a histeria e a peninha. Mas a autora não se compadece com exigências do rigor jornalístico que, aliás, não pretende abarcar.