29/02/2012

Da excepcional normalidade*

Não sendo especial eu sou verdadeiramente fantástica, mas não sou única. Como eu, remas de fantásticas pessoas andam por esse mundo fora, desejando nada mais além da normalidade. Pessoas que procuram uma excepcional (hoje, quer no mérito, quer na frequência) sensação de pertença e reconhecimento da normalidade.

Dito isto, acresce referir que não consigo ter filhos (pelo menos não consegui até agora, mas para lá caminho evidentemente) e tal como já referi, como eu, resmas de outras pessoas também ainda não conseguiram ou sequer o conseguirão. Há um traço comum a todos nós, surpresa, somos normais. Pertencemos a esta sociedade e até nos predispomos a trazer ao mundo quem também a ela venha a pertencer. E digo-vos isto porquê? Quando alguém normal (portanto alguém que tenha 1 par de olhos, 1 par de pernas e 1 par de braços –ah esqueçam porque mesmo quem tenha só 1 perna ou só 1 braço também é normal) vos confidencia que está a tentar ter filhos, sem sucesso, e que está  a fazer tratamentos de fertilidade ou que tenciona fazer ou até que já os fez, geralmente não procura a vossa compaixão, a vossa imensa sabedoria acerca de coisa nenhuma e, em especial, com ênfase e tónica, não procura um monólogo exaustivo acerca de todas as experiências iguais ou semelhantes que conhecem. Portanto, histórias acerca das vossas amigas imensamente inférteis e maridos estéreis, da vossa tia ou prima, da cunhada e cunhado, ou mesmo da amiga da amiga não são, em regra, aquilo que nos apetece ouvir. E explico porquê: em bom rigor, quando vos confidenciamos alguma coisa não esperamos ouvir, mas sim ser ouvidos. Sim, esse imenso cliché, ser ouvido.

Por outro lado também não nos apetece ouvir conversa de fazer conversa. Coisas simpáticas de se dizer como “as pessoas não têm noção, mas ter um filho é um verdadeiro milagre” podem não surtir o efeito desejado, muito pelo contrário (!), pregar o milagre da concepção como quem explica um algoritmo matemático digno do nobel da ciência a quem acalenta a ideia que a matemática, a ciência e a medicina lhe possam fazer aquilo que o alinhamento de planetas e a reza aos deuses não faz por si só, pode não ser a melhor ideia. O truque, muitas vezes, é ficarem calados – não receiem, pois calados são só um par de ouvidos que é o que se espera de vós.  

Outra atitude a evitar é a da condescendência. Nem todos aqueles que vos confidenciam tais propósitos encontram-se em busca do santo graal em estado de desespero absoluto. Arriscaria a dizer que grande parte dessas pessoas vive uma vida como a vossa, levando um dia atrás do outro, trabalho, família, diversão, inquietações (ok ok algumas injecções a horas certas), levar o carro à revisão, pagar o selo, etc.. Nem todos estão em desespero. Daí que devam ser evitados conselhos acerca da ansiedade e nervosismo e do quão contraproducentes são esses estados de espírito nessa nossa inquietante busca pela descendência entretanto por vós novelada, especialmente quando quem vos confidencia tranquilamente e de forma segura tem um ar, aparentemente, normal.

Do que antecede acho que facilmente concluirão que tudo o que têm feito é, grande parte das vezes, errado. Mas a lição que se pretende é tão só aquela que vos poderá ser mais fácil de ora em diante adoptar, ou seja, é a lição da troca directa. Se vos confidenciarem um sorriso, sorriam. Se vos confidenciarem uma lágrima, chorem. Se vos atacarem com uma verborreia difícil de igualar, não tentem igualar. Se vos tratarem com silêncio, procurem ser discretos e menos curiosos. Se vos confidenciarem técnicas científicas e medicinais, escutem com atenção e interesse. Se a linguagem corporal assim o disser, abracem.

* a normalidade não é um desejo comum a todos, há quem deseje precisamente o contrário: o tratamento diferenciado, especial, a histeria e a peninha. Mas a autora não se compadece com exigências do rigor jornalístico que, aliás, não pretende abarcar.

17 comentários:

  1. Eu só cá venho dizer que li tudo, te desejo resmas de sorte, e te mando um abracinho.

    ResponderEliminar
  2. Depende da forma como faças o comentário, se for numa conversa curriqueira enquanto se tira fotocópias ou se se está só com outra pessoa e até apetece desabafar com ela. No 2º caso, não acho estranho que ela puxe casos que já conheça, não é? Quer dizer, acho que a pessoa tenta sempre dar um ar interessado e essa é uma delas. Mas porque falas na normalidade, achas que alguém acha que uma pessoa que não engravida à primeira é anormal? (sorry, se calhar não percebi bem onde querias chegar)

    ResponderEliminar
  3. Vim cá hoje parar pela primeira e, por ser um tema que me é particularmente caro li até ao fim. Está cá tudo. Tudinho. A determinada altura deixei de ter paciência para a conversa de circunstância e com isso perdi amizades e passei a ter conhecidos, ficaram apenas aqueles que me intuíam. Hoje penso por que raio não o fiz mais cedo.

    ResponderEliminar
  4. @Fu: não conheço muita gente que lance o estigma de anormal a outra pessoa de forma verdadeiramente sincera e sentida, é quase figura de estilo considerar tal coisa, ainda que existam pessoas maquiavélicas o suficiente para tal.
    obviamente que aqui serve quase de figura de estilo, mas pretende enfatizar um certo tratamento diferenciado que podes ter a certeza que existe e nem sempre é desejado.
    Eu não suporto que me falem de situações semelhantes que conhecem e apenas tolero e até procuro quando essas experiências são faladas na 1ª pessoa. Mas o diz que disse e a história dos vizinhos sempre foi um ponto fraco meu. Não suporto, não tenho paciência, não quero saber e tenho raiva de quem sabe (pronto um pouco exagerado, mas é mais ou menos isto).

    ResponderEliminar
  5. @Anna: Também já me afastei de algumas pessoas, até da minha mãe...
    sabes do que sinto falta? da conversa sarcástica e de humor negro e requintado à volta do tema. sei lá, relativizar, desdramatizar, suavizar!
    A melhor das sortes!

    ResponderEliminar
  6. @Izzie: Ó comadre, outra coisa não seria de esperar de si: presença!

    bracinhu de volta *

    ResponderEliminar
  7. (tenho um pirralho pequeno, mas foram precisos 5 anos para apurar a formula. Fico a torcer por ti, porque no fim o que decide é mesmo essa p*** da sorte)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. vá não te torças muito que ainda dás cabo das trompas ;-)

      Eliminar
  8. Pois, tens que levar com toda a sabedoria de porteira que não encomendaste. Mas as pessoas vão perceber se fizeres cara feia ou se mandares uma cuspidela :D Acho mais complicado lidar com a sabedoria familiar, normalmente a cara feia não os afasta.

    (e desculpa o dissecar do post, eu sou um bocado autista nestas coisas)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fu, giro giro é que às vezes não percebem e atribuem o mau feitio às hormonas!!! É lindo! Blame it on the hormones!

      não tens nada que pedir desculpas aqui neste tasco!

      Eliminar
  9. Pois que ouvi tudo com muita atenção e cá estarei se a minha "vizinha" precisar de desabafar de novo. Quantos aos abraços, se os blogosféricos servem, pois que vão daqui uns milhares.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ó querida vizinha, venham daí esses abraços por facsimile, emilio, carta registada com aviso de recepção ou mesmo blogosféricos. eu sou pessoa de contacto :-)
      ***

      Eliminar
  10. Já seguiram!

    E se a remessa esgotar, é só dizer, que num instantinho se enviam mais uns quantos.

    E, já agora, posso desejar boa sorte?

    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. claro que sim, ou que parta uma perna, enfim, o que te aprouver!

      amanhã é só mais um dia, mas é um dia importante *

      Eliminar
  11. Então desejo que amanhã seja um dia bom, muito bom!

    Break a leg!

    ResponderEliminar
  12. Só para não ficares aí a pensar que sou uma pessoa boasssssinha, apareci outra vez para te recomendar que não faltes aos treinos. Se te vão fazer das nádegas passador, ao menos que tires alguma satisfação disto ;P
    (abracinho e sortes)

    ResponderEliminar