14/10/2011

soubera eu

O que sei hoje e, muito provavelmente, teria traçado um rumo diferente para a minha vida profissional.
Hoje já não carrego o orgulho profissional que inocentemente me levou a ingressar na função pública. Hoje incutem-me a ideia de que o funcionário público é mau, incompetente, déspota, irresponsável e, sobretudo, o grande culpado pelo estado em que estamos, o grande culpado da pobreza das nossas finanças públicas. Não trabalhamos, não produzimos, gastamos imenso e somos em maior número que a população da cidade do méxico. Somos alvo a abater.
Já vociferei vezes sem conta em nossa defesa, mas vejo agora que só fiz pior. Raramente aquele que sofre do problema consegue olhar para si mesmo, sobretudo quando encontra alvo externo e as massas em solidariedade. E assim pensam todos aqueles que, de fora, espreitam às janelas dos institutos, dos serviços centrais e das autarquias cuscando entre si todas aquelas falácias bonitas acerca dos funcionários públicos.    
O que não sabem e que aqui explico em surdina é que eu entrei na carreira pública com cabeça erguida e durante largos anos (e ainda hoje em dia, mas de forma bem mais indirecta) senti-me capaz de fazer a diferença, capaz de fazer o mundo mudar para melhor. Eu investi do meu bolso na minha formação e fui-me especializando, profissionalizando e melhorando o meu trabalho. Tenho cada vez maiores responsabilidades a meu cargo e progressivamente vou-me sentido mais capaz de estar à altura do que me é pedido. Nunca fui dirigente, nunca tive ninguém a meu cargo, nunca tive padrinho ainda que o merecesse em muitas situações, mas já tive chefes capazes de me ensinar o ofício com orgulho e distinção.
O problema é que o país não gosta de mim. O problema é que não existem probabilidades de, a curto ou médio prazo, progredir na carreira. O problema é que recebo cada vez menos e corro o risco de aproximar-me ao que recebia há 10 anos atrás. O problema é que não existem quaisquer perspectivas para quem devotamente gosta(va) de ser funcionário público.   
O problema é que até a paixão se esgota quando não é partilhada ou devolvida.

4 comentários:

  1. Gostei tanto, TANTO deste post, que o vou levar emprestado. É que define o que eu quis para mim, a postura que tenho no trabalho, e hoje sinto-me triste. Tão triste, sabes? Já ganho o que ganhava há dez anos...

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  2. Hoje também estou muito triste, mas saber que ainda vem pior (para os meus lados ainda há o cenário da extinção/fusão) é que me tira o sono.

    Profunda desilusão e frustração é o que vejo a rodos e ainda acham que é com meia hora que isto vai lá. Até parece que já não se fazia uma hora ou mais sem a receber. pff, bananas!

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  3. ss, nao deixe que a paixao pelo bem comum, e pelo serviço publico, se esgote. nao lhes dê esse gosto. nós, os bons funcionarios públicos, é que estamos certos. eles, os que nos fazem bodes expiatórios de todos os males do país, é que são os hipocritas.

    sempre contribuimos para o País, seja pela nossa profissao, seja pelo trabalho que nela desenvolvemos. nem todos de nós são competentes ou eficazes, mas isso tem a ver, como sabe, com existência ou não de brio profissional; seja na FP ou na privada.

    por isso, pq trabalhamos para os outros, nao deixe que tal paixao se esgote. porque ela é muito bonita. e a mais generosa.

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  4. @sem-se-ver: a paixão esgota-se no sentimento em geral, na forma como posso orgulhar-me do trabalho realizado, mas nunca se esgota na concretização do trabalho em si. No dia a dia, nas decisões que tenho de tomar, nos caminhos que aponto, nas soluções que arranjo nunca esqueço que trabalho para os portugueses e não para este governo.

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